Pirâmide da produção: a avicultura como você nunca viu

Produção de bisavós, avós e matrizes é completamente diferente e mais complexo que criar frangos de corte.

Fotos: Arquivo/OP Rural

A indústria avícola está em constante evolução e o melhoramento genético é uma das chaves para o sucesso. Uma maneira de melhorar a genética é a partir de aves em granjas núcleo que têm pedigree, um registro genealógico dos ancestrais de um animal que traça sua linhagem. Essas granjas núcleo ficam nos Estados Unidos e em países da Europa para garantir a segurança genética. O Brasil importa ovos incubados que vão dar origem às bisavós. Todo o processo, da importação ao monitoramento, é certificado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Poucas empresas no mundo detêm o mercado genético avícola. O especialista em avicultura, atuando há mais de 23 anos em toda a cadeia e diretor associado de Marketing na Cobb-Vantress, Cassiano Marcos Bevilaqua, explica que no caso da Cobb uma ave da granja núcleo pode fornecer até 23 bisavós. Essas 23 bisavós eclodem nos incubatórios do Brasil e vão para granjas, onde podem produzir cerca de 725 avós. Da mesma forma acontece com as avós, que podem produzir 29 mil matrizes, uma média de 40 matrizes por avó. Essas matrizes, por sua vez, vão gerar cerca de 5,2 milhões de ovos férteis. A produtividade potencial aumenta por meio da seleção genética, que elimina as aves com defeitos e as avalia com base em parâmetros específicos.

Depois das bisavós, as linhagens masculina e feminina são separadas, e cada uma é cruzada com uma linhagem diferente. Este processo é diferente para cada pedigree, com diferentes letras atribuídas a cada linhagem. Por exemplo, o pedigree A pode ser cruzado com o pedigree B, enquanto o pedigree C pode ser cruzado com o pedigree D.
A hibridização resulta em diferentes características, como maior rendimento de carcaça, melhor qualidade da carne de peito e maior ganho de peso. Os marcadores genéticos ajudam a identificar traços de DNA, como resistência a certas doenças e ganho de peso melhorado.

“As bisavós são importadas pelo Brasil em ovos férteis. O ovo é incubado aqui, em granjas credenciadas pelo Mapa, com certificações para trabalhar somente com material importado. Depois, essas aves passam por um período de quarentena, onde são feitas coletas para exames e monitoramento para saber se estão saudáveis e aptas a começar a produzir as avós”, explica Bevilaqua.

O profissional explica que a seleção vai retirar dos lotes aves que não tenham características desejáveis. Ou seja, bisavós e avós que não se enquadram nas características específicas são descartadas. “Existe uma série de parâmetros, itens avaliados, para seguir no processo de produção. Tanto no processo de bisavós quanto de avós existe uma seleção”, comenta.

Hibridização

Bevilaqua destaca que “a partir das bisavós temos separadas a linha fêmea e macho. São aproximadamente dez fêmeas para cada macho em todo o processo, com tratamento diferenciado para machos e fêmeas em todas as fases”. Para o pintinho de um dia ter as características de quatro linhagens puras (ABCD), são feitos cruzamentos entre essas linhagens, nessas fases. Por isso a importância da cadeia de aves ter as bisavós e as avós. Sem o cruzamento nessas etapas, os pintinhos não teriam todo o potencial produtivo que apresentam atualmente.

E esse processo não para, tanto que novos machos, com características melhores, são lançados no mercado de tempos em tempos. “São feitos cruzamentos e análises minuciosas para definir qual o produto vai ser melhor. A linha fêmea da Cobb é a mesma há mais de 45 anos, desde 1975, mas a linha macho mudou várias vezes nos últimos anos, como em 2015 e em 2019”, explica o especialista. “O hibridismo é que vai oferecer as características para o frango de corte. Se muda qualquer letra (pedigree), chegamos a características diferentes. Os principais atributos que buscamos são rendimento de carcaça, mais carne de peito, melhor conversão alimentar (CA) e mais ganho de peso diário (GPD)”, destaca. O trabalho para lançar um novo animal no mercado pode levar muito tempo. “De quatro a cinco anos para começar uma linha nova”, destaca o profissional.

Recria e produção

O processo para a produção de matrizes é totalmente distinto de uma produção de frangos comum. O especialista da Cobb cita particularidades do processo, como ajustes nutricionais, controle da qualidade óssea e dos órgãos internos, leitura de conversão alimentar em tempo real, capacidade reprodutiva e produtiva, utilizando observações fenotípicas, equipamentos como ultrassom e raio-x e alta ciência, como a genômica. “É um processo completamente diferente de criar frangos de corte. Apenas 2% das aves pedigree são aproveitadas. É uma quantidade enorme de aves para tirar o melhor das melhores, com tecnologias e ciência de ponta”, explica Bevilaqua.

“Os períodos de produção das bisavós, avós e matrizes são todos iguais. A primeira fase é a recria, onde permanecem na granja entre a primeira e 22 semanas de idade. Esse é o período para formar ave, para ela crescer, desenvolver órgãos reprodutivos para ser apta a seguir no sistema. Ao contrário do frango de corte, por exemplo, etapa em que é desejável que o animal ganhe mais peso em menos tempo, das bisavós às matrizes é preciso ter um controle de peso dos animais, controlar o consumo de ração e mudar a composição em cada fase”, destaca. “Na fase de recria normalmente se usa três tipos de ração, a inicial, que tem mais proteína para fazer a ave crescer, ter ganho de peso, depois a ração de crescimento para manter o desenvolvimento e garantir a formação de musculatura. Na quinta semana é a ração de pré postura, tem mais energia para maior acúmulo de gordura, maior conformação corporal para produzir ovos. Tanto bisavós quanto avós e matrizes segue esse programa nutricional”, aponta o especialista.

Na recria, as aves, recebem pouco estimulo de luz para evitar a precocidade. “A luz tem que ser controlada. São oito horas de luz por dia, com intensidade reduzida, de 3 e 5 lumens. As granjas são dotadas de cortina escura ou até mesmo parede, pois não deve haver entrada de luz externa”, destaca o profissional.

A partir da 23ª semana é hora de transferir as aves selecionadas para a produção, com mais detalhes específicos para essa etapa da pirâmide produtiva da avicultura. “Depois da formação corporal, a ave é transferida com 23 semanas vai para o período de produção. A maioria das granjas de recria e reprodução são separadas. Nessa fase, ela começa a receber estímulos para iniciar a produção de ovos. Entre esses estímulos, dois são mais importantes, que são o volume de ração e o estímulo de luz. Quando chegamos próximo à produção vamos aumentando o volume de ração. Por outro lado, nessa hora as aves estão em galpão aberto, com mais acesso à luminosidade. “Quando vamos para a produção a ave está em galpão aberto, pois precisa receber mais luz e ração, que vai aumentando aos poucos, dependendo da época do ano. O programa de luz sai de oito, para 12, 14, até chegar mais ou menos próximo de 16 horas”, frisa Bevilaqua.

O objetivo é que essa matriz possa produzir até 180 ovos, começando a produzir entre 24 a 25 semanas, com o pico de produção iniciando entre 28 e 30 semanas e uma vida produtiva de 65 semanas. Na produção também são usadas diferentes rações. “A gente usa pré postura até o primeiro ovo, depois troca para ração de postura 1, que tem mais proteína e mais energia, pois nessa fase precisa desse estímulo maior. Depois do pico de produção (8 a 14 semanas de pico, mudamos para a ração de postura 2, com menos energia e proteína, pois temos que controlar o peso da ave. Caso contrário, ela vai gastar muita energia para manter seu peso corporal e não ter energia para a produção de ovos”, menciona o profissional.

“No pico, que se mantém por pelo menos dez semanas, a ave deve produzir um ovo a cada 25 horas. Com a idade a produção vai caindo a produção e com 65 semanas é descartada”, destaca Bevilaqua. Uma particularidade é que é um processo rastreado para proteger o material das casas genéticas. “A ave descartada vai para o frigorífico que tenha SIF (Serviço de Inspeção Federal). É preciso ser identificado para onde vai, ter o controle sanitário e garantir a segurança da genética”, aponta.

Machos e fêmeas

Na recria, machos e fêmeas são criados separadamente. Eles são unidos para o período produtivo têm até dietas diferentes entre eles. “Na recria, o programam nutricional para o macho é o mesmo, exceto por não receber a ração de pré postura. Quando vai pra produção ele recebe ração específica para macho, que tem que ter menos índice de proteína, menos cálcio, menos energia. A gente consegue controlar o peso do macho para que ele consiga copular a fêmeas por um maior período possível”, aponta Bevilaqua. “Existem alguns manejos para evitar que o macho coma a ração da fêmea e vice versa. Existem comedouros separados, onde é feita uma regulagem mais alta do comedouro para o macho, que é maior e consegue comer mais alto. Quando o macho começa a comer a ração dele, baixamos os comedouros das fêmeas. Algumas granjas utilizam restaurantes para machos, um box para comer de manhã”, menciona.

A quantidade pode variar minimamente, mas aproximadamente 10 fêmeas para cada macho. “O acasalamento é de 10 para 1. No início da produção a gente coloca um pouco mais, 10,5 ou 11 fêmeas para um macho”, comenta.

Classificação

Todo o processo da produção de bisavós é feito com avaliações fenotípicas e exames clínicos. “Além do controle de ambiência, uma vez por semana faz a pesagem dos animais e ajusta a ração de acordo com os resultados. Em cada semana é preciso alcançar um peso ideal. Depois é feita uma seleção fenotípica, para tirar aves com defeitos, como dorso torto, empenamento, bico torto, etc. Na parte de pedigree é mais detalhado, há uma série de tecnologias de classificação, como avaliação de conversão alimentar em tempo real. A gente mensura o peso no momento que a ave vai ao comedouro e depois o peso que ela vai atingir naquele dia. Isso é feito ave por ave, que são identificadas uma a uma ainda no incubatório. Quando a bisavó cresce, é feito faz raio x para observar a estrutura óssea, e ultrassom para medir como está espessura do peito, conformação, etc.”, aponta.
A genômica, ciência que que estuda o genoma dos organismos a partir do seu sequenciamento completo (DNA), com o objetivo de entender a sua estrutura e função, também é aliada na seleção das melhores. A genômica é utilizada, por exemplo, para manter no processo produtivo aves que tenham mais resistência a determinadas doenças. “Hoje trabalhamos com marcadores genéticos. Coletamos sangue, identificamos o DNA e promovemos aquelas que têm marcador que vai estimar a resistência a determinada doença ou a um maior ganho de peso, por exemplo”. Cada marcador tem características diferenciadas”, aponta.

Entre os principais atributos para definir as bisavós estão CA, ganho de peso, rendimento de carne, rendimento de carne de peito ou carnes nobres, capacidade reprodutiva e eclodibilidade (produção de ovos e nascimento). Outras considerações para a seleção das melhores, de acordo com Bevilaqua, estão avaliação da estrutura óssea, viabilidade e saúde do coração e dos pulmões. “Usamos também um oxímetro para medir o percentual de oxigênio transportado no sangue”, destaca o profissional.

Depois da seleção das bisavós é feita a avaliação fenotípica para as avós e matrizes, ou seja, observando e retirando as aves com problemas visíveis ao olho humano. “É feita uma avaliação fenotípica para retirar aves com problemas nas pernas, dorso, bico cruzado, entre outras”, menciona Bevilaqua. Ainda, em todas as bisavós, avós e matrizes de um dia é feita a debicagem. “A debicagem tem que ser feita para o bico não crescer e ficar pontudo, pois pode quebrar ovos e machucar outras galinhas”.

Peso dos ovos

Depois que as avós começam a colocar os ovos é feito um rigoroso controle de peso e qualidade, em cada fase da vida produtiva, que vão ser incubados para dar origem às matrizes. “Existem uma tabela de peso dos os ovos precisam seguir. Conforme a ave vai aumentando produção, o sistema vai produzindo gemas maiores. Essas gemas maiores, junto com a clara, vão produzir ovos maiores. Isso é bom, mas tem que ser controlado. O peso do ovo impacta no tamanho do pintinho. Em torno de 65% do peso do ovo vai ser o peso do pintinho de um dia. “No início o peso do ovo tem que subir mais rápido para ter maior aproveitamento. O ideal é incubar ovos a partir de 50 gramas. No início da produção o aproveitamento de ovos é baixo. Entre duas e três semanas os ovos de baixo peso são descartados, vendidos como ovo comercial, para o consumo”, amplia Bevilaqua. Ele explica que o aproveitamento médio ideal seria entre 97% e 98% dos ovos do lote.

Localização e sanidade 

No caso da Cobb, todos os ovos férteis de bisavós para a América do Sul São provenientes dos Estados Unidos. “Temos nosso incubatório e as granjas de bisavós no estado de São Paulo. Depois que começam produzir, como aumenta o volume, com uma quantidade maior, elas vão para granjas de avós em cinco estados: São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná. A distribuição no Sul do país acontece em parceria com Agrogen, que é um multiplicador da Cobb”, destaca Bevilaqua. Depois nascem as matrizes, que são entregues para os clientes, como cooperativas e empresas avícolas.

Em todo o processo, a sanidade e a biosseguridade não tratadas com extremo rigor. “Existe um robusto programa sanitário implantado nas aves para controlar diversas doenças de importância na avicultura. Se você tiver um doença na bisavó vai transmitir para todo seu programa genético, para todas gerações futuras”, frisa Bevilaqua. “No incubatório já recebem in ovo a vacina de Mareck (obrigatório) e a de Gumboro. Durante a vida da ave existe um programa ainda com vacinas contra bronquite, coccidiose e pneumovírus. Algumas empresas também usam vacina contra o reovírus”, explica o profissional.

Ele destaca que até as avós é proibido usar vacina de salmonela, em detrimento de uma legislação do Mapa para manter o controle sanitário, mas essa vacina é usada a partir das matrizes. Além disso, para garantior a sanidade, são feitas coletas de soro para monitorar as principais doenças, como micoplasma, salmonela, leucose, que são tumores, etc. “Se você não percebe pode chegar até o frango, resultando em mais mortalidade e resultado zootécnico comprometido”, amplia.

Os pintinhos

Depois de um longo caminho da pirâmide produtiva, os ovos férteis das matrizes chegam até os incubatórios, onde permanecem até os 18 dias, quando os ovos são transferidos da incubadora para o nascedouro ou sala de nascimento. Os pintinhos nascem aos 21 dias de incubação. Nessa etapa, lembra Bevilaqua, alguns dos pontos de atenção estão no “controle de umidade e temperatura. São dois fatores muito importantes. O ovo perder umidade para que o embrião se desenvolva adequadamente, para ele ter uma maior taxa de nascimento”, frisa o especialista. A taxa de eclodibilidade depende muito de fatores associados, mas Bevilaqua destaca que “na maioria das empresas essa taxa varia entre 82% a 84%”. Ele destaca que a Lar Cooperativa Agroindustrial, do Paraná, tem “a maior taxa de eclosão do mundo, com 88% dos ovos do lote”.

Depois que nascem, mais uma operação complexa é realizada para que os pintinhos cheguem às granjas comerciais de frangos de corte no menor tempo possível. “Depois que nascem alguns cuidados são o controle de temperatura na sala de espera para ser transportado, que deve girar em torno de 22 a 24 graus. O ideal é que do momento do nascimento até chegada na granja não passe de seis horas, mas é preciso ter uma logística precisa para isso”, menciona.

No transporte os cuidados são também de controle de temperatura e umidade. “Os cuidados no transporte incluem manter a temperatura de 21 a 22 graus, com controle de umidade até a chegada no galpão. O pintinho não pode perder hidratação”, destaca.

Só na chegada aos aviários é que de fato o avicultor tem o controle da produção. O importante é aquecer especialmente a cama de aviário para a chegada dos pintinhos. “A granja tem que estar com galpão pré aquecido. A temperatura de cama é importante. Muitas vezes o produtor só olha o termômetro (temperatura ambiental) e esquece da cama. O ideal é que a cama esteja entre 32 e 33 graus. Por isso o pré aquecimento vai depender muito da estrutura do aviário. Alguns galpões é preciso ligar o sistema de aquecimento dois dias antes, outros um dia antes e outros ainda 12 horas antes”, orienta.

O consumo de água e ração também deve ser estimulado para acontecer o mais rapidamente possível. “Tem que ter água fresca e ração. Alguns produtores usam comedouro infantil ração distribuída no papel”, destaca o profissional.

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